quarta-feira, 17 de julho de 2013

A passeata contra a guitarra (quando gente boa faz coisas tolas)


Sei que foi em 17 de Julho, porque outros eventos infaustos estão agarrados a esta marca do tempo. Há exatos 30 anos, meu pai amigo saiu de meus braços e saltou para a arquibancada de cima. 

Também foi o dia em que a reação conservadora iniciou o levante que deu origem à Guerra Civil Espanhola. Recorda-se ainda como a data em que a família de Nicolau II foi ao paredão, resultado de uma decisão estúpida de incertos líderes bolcheviques.

A estranha “Passeata da MPB”, muito mais conhecida como “Passeata contra a guitarra elétrica”, foi realizada num 17 de julho, em 1967, em São Paulo. 

Partiu do Largo São Francisco e dirigiu-se ruidosa ao Teatro Paramount, na Avenida Brigadeiro Luís Antonio. A palavra de ordem era: “defender o que é nosso”.

A ideia era fortalecer um movimento de rejeição à música estrangeira, especialmente o rock. Gente boa, como Elis Regina, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Zé Keti, convocaram o povo para o levante. 

Até Gilberto Gil (quem diria?) participou do ato que misturou nacionalismo, provincianismo xenófobo e desvario juvenil.

Gil oferece duas justificativas para sua participação. Primeira: estava apaixonado por Elis. Segunda: era jovem, queria militar de alguma forma, embora não nutrisse qualquer aversão pela guitarra.

Caetano e Nara Leão cometeram acerto e recusaram o convite. Permaneceram no Hotel Danúbio, na própria Brigadeiro Luís Antonio, assistindo ao cortejo. 

Nara disse que mais parecia uma manifestação integralista (movimento ultra-conservador tradicionalista brasileiro).

Caetano, fleumático, teria dito: “acho isso muito esquisito”. Nara, mais enfática, emitiu opinião radical.

- Esquisito, Caetano? Isso aí é um horror. É fascismo mesmo!

Se alguém viu a mão da Globo por trás dos levantes de 2013, havia em 1967 o estímulo de um grupo da Record, ainda inconformado com o fim do programa “O Fino da Bossa”, um mês antes. 

O inimigo mais visível era o povo da Jovem Guarda, associado à invasão cultural norte-americanista.

Em outubro daquele ano, no entanto, Gilberto Gil exibiria uma alternativa às dicotomias que levavam músicos a trocar socos diante de bares e casas de show. 

No III Festival de Música Popular Brasileira, no mesmo Teatro Paramount, cantou “Domingo no Parque”, prima obra, misturando o berimbau com a guitarra de Os Mutantes.

O magricelo (e, na época, simpático) Caetano logrou algo parecido com a genial “Alegria, Alegria”, executada numa parceria com a banda The Beat Boys. 

Muita coisa boa e bacanex surgiu da ideia de “sem lenço, sem documento” e do consentimento internacionalista na existência de “cardinales bonitas”.

Estavam fincadas, definitivamente, as bases do Movimento Tropicalista, que recuperava a vanguarda modernista dos anos 20 e 30 e as reflexões do Movimento Antropofágico. 

Nada de guetos. Vamos digerir a cultura dos gringos, mesclá-la a nossa rica tradição popular e construir o novo na diversidade, sem preconceitos.

O tropicalismo ressuscitou Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Pagu. E os imergiu na novidade da pop-art, do concretismo e do rock.

Aí, sim, gente bacana fez coisa inteligente. A Tropicália mostrou que a Ditadura Militar era feia, chata, burra e deselegante. 

Criou-se aí a melhor estética da resistência. Que copiemos, hoje, esse paradigma. Quem se arrisca a tropicalizar?

8 comentários:

  1. O blog começou muito bem. lembro que Gilberto gil escreveria nos anos 70 "Chuck Berry Field Forever', em homenagem ao pai do riff de guitara do rock.O mundo seria muito sem graça s
    e o povo afro de New Orleans se recusasse a usar os instrumentos trazidos pelos colonizadores franceses.

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    1. Ótimo exemplo esse do povo de New Orleans. Feito o convite para que você aprofunde o tema.

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  2. O Blog está excelente. A foto escolhida, clicada no Quintino, perto da casa do Zico, puxa está ótima, condizente (mostra você subindo, indo para cima...em movimento). Adorei as cores que você escolheu.
    O texto de inauguração está sublime, maravilhoso.
    Esse movimento libertário, a Tropicália, concordo com você, é um bonito exemplo a ser copiado nos dias de hoje, de fato a "melhor estética da resistência" já criada.
    Aqui, uma fonte de informações de qualidade (de quem FORMA opinião e é influente) para se enriquecer a mente, munição a favor do bem e matéria prima para o debate.

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    1. O bairro do Zico é bonito mesmo. E é bom subir, galgar, escalar. Vamos ver se o povo compartilha e exercita o debate de alto nível.

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  6. Trazidos d'África pra Américas de Norte e Sul
    Tambor de tinto timbre tanto tonto tom tocou
    E neve, garça branca, valsa do Danúbio Azul
    Tonta de tanto embalo, num estalo desmaiou

    Vertigem verga, a virgem branca tomba sob o sol
    Rachado em mil raios pelo machado de Xangô
    E assim gerados, a rumba, o mambo, o samba, o rhythm'n'blues
    Tornaram-se os ancestrais, os pais do rock and roll

    Rock é o nosso tempo, baby
    Rock and roll é isso
    Chuck Berry fields forever
    Os quatro cavaleiros do após-calipso
    O após-calipso

    Rock and roll
    Capítulo um
    Versículo vinte
    -Sículo vinte
    Século vinte e um
    Versículo vinte
    -Sículo vinte
    Século vinte e um

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