No mês passado, completaram-se 48 anos da estreia de “Adeus às Ilusões” (The Sandpiper), filme dirigido por Vincente Minnelli e estrelado por Elizabeth Taylor (em sua plenitude) e Richard Burton.
Quem hoje assiste
aos 117 minutos digitalizados da fita pode ter a impressão de que o tempo, ali,
é prematuro. Expõe um trabalho cinematográfico realizado entre 1964 e 1965, mas
cujo roteiro parece escrito em época posterior.
Taylor vive Laura
Reynolds, uma artista de alma livre, já embarcada na onda da contracultura,
pós-beat e pré-hippie, que tem como propósito educar seu filho longe das torturantes e emburrecedoras escolas convencionais.
O garoto, no
entanto, enfrenta pequenos problemas com a lei e, por ordem judicial, é
obrigado a frequentar uma instituição da Igreja Episcopal, dirigida por Edward
Hewitt (Burton).
O romance é
embalado por “The Shadow of Your Smile”, de Johnny Mandel e Paul Francis
Webster, que se tornaria um hit eterno das trilhas cinematográficas.
O filme é
cativante. Tem choque de culturas, rebeldia, amor e, logicamente, aquela
tristeza aguda dos que, em algum momento, se julgam incapazes de dobrar as vigas da
pesada estrutura das relações sociais.
Credita-se a
história ao produtor Martin Ransohoff, mas a equipe dos roteiristas tem como
estrela o talentoso e polêmico James Dalton Trumbo (1905 – 1976).
Sua história daria um filme (e deu, existe um documentário de 2007 sobre sua vida). Depois da morte do
pai, o jovem Trumbo passou anos como um trabalhador comum, embalando pães numa
padaria de Los Angeles.
Nos primeiros anos, escreveu 94 trabalhos, entre contos
e novelas, que foram recusados pela editoras.
Desde cedo, Trumbo
tinha consciência da vida dura de muitos trabalhadores norte-americanos, que
esgotavam a saúde em fábricas insalubres e mal podiam sustentar suas famílias.
Assim, decidiu
trilhar o caminho da esquerda e abraçar as causas socialistas. Entre 1943 e
1948, foi membro efetivo do Partido Comunista dos EUA. Seus trabalhos sempre
tiveram um traço humanista, solidário e progressista.
Em outubro de 1947,
o Comitê de Atividades Antiamericanas convocou vários profissionais da
indústria do cinema para que depusessem sobre as supostas ações de agentes
comunistas e simpatizantes para transformar os filmes norte-americanos em peças de propaganda esquerdista.
Trumbo e outros
nove convocados recusaram-se a fornecer informações sobre o tema. Por esse
“desacato” ao Congresso, foram incluídos na famigerada “lista negra” de
Hollywood. Três anos depois, o roteirista foi condenado e passou onze meses
numa penitenciária federal, em Ashland, no Kentucky.
Depois da aplicação
das punições, alguns atores e diretores decidiram colaborar com o esquema macartista (termo que tem origem nas atividades anticomunistas do senador Joseph McCarthy).
O diretor Elia Kazan, por exemplo, testemunhou na comissão e entregou os nomes
de vários amigos simpatizantes de causas supostamente comunistas.
Depois da prisão,
Trumbo não conseguiu obter trabalho nos Estados Unidos e viu seus filhos serem
hostilizados na escolas e nas ruas.
Vendeu sua fazenda e foi viver no México,
onde continuou a produzir roteiros, assinando-os com pseudônimos. No desterro,
trabalhava muito e ganhava pouco.
Em 1953, escreveu o
roteiro do singelo “A Princesa e o Plebeu”, filme estrelado por Gregory Peck
(um repórter) e Audrey Hepburn (uma herdeira da realeza). Os créditos, no
entanto, foram para Ian McLellan Hunter, que assumiu a autoria do trabalho.
Em 1956, construiu a história de “Arenas Sangrentas”, que arrebatou um Oscar. O trabalho, entretanto,
foi creditado a Robert Rich.
Aos poucos, porém, a
sociedade norte-americana reuniu coragem para contestar a aplicação da “lista
negra”.
O diretor Otto Preminger anunciou publicamente que o roteiro de
“Exodus”, de 1960, surgira de páginas datilografadas por Trumbo. Logo depois,
Kirk Douglas seguiu o exemplo, honrando o trabalho do escritor em “Spartacus”.
Em 1975, a Academia finalmente
considerou Trumbo como o verdadeiro ganhador do Oscar de 1956, concedendo-lhe a
estatueta. Em 1993, já depois de morto, teve reconhecido o seu trabalho em “A
Princesa e o Plebeu”.
Trumbo nutria grande simpatia pelo gênero humano, sem preconceitos. E, como se sabe, comovia-se especialmente com os mais necessitados.
Trabalhador incansável, valente, atrevido, leal, contribuiu para constituir uma cultura ocidental de massa mais tolerante e mais amorosa.
Nunca comeu criancinhas.

Grande! Acrescento o único título que Trumbo dirigiu: "Johnny vai à Guerra(Johnny got his gun). Outra prova de humanismo, alguns trechos do filme podem ser vistos no vídeo de "One" do Metallica.
ResponderExcluirAgora vou procurar o documentário.
Texto excelente. O filme, não tenho dúvida, é de altíssima qualidade. Eu adoro a estética dos anos 60, o figurino, a decoração, a ambientação dos filmes, a trilha sonora... Aliás, acabei de ouvir The Shadow of Your Smile na voz de Johnny Mathis e Barbra Streisand, e a canção é linda! E tem na personagem o início da contracultura abordada no cinema, que depois teve o seu ápice com Zabriskie Point do Antonioni(que assistimos juntos), isso demonstra de fato, como você bem colocou, um filme a frente do tempo, feito em 64, mas que parece ter sido escrito em época posterior.
ResponderExcluirQue incrível a história de Dalton Trumbo, um grande nome do cinema, corajoso, engajado com a esquerda, com um currículo fantástico...Obrigada por abordar tão importante tema. Suponho que muitos não o conhecem, mas agora passarão a valorizá-lo.