quinta-feira, 18 de julho de 2013

O comunista do cinema que nunca comeu criancinhas


No mês passado, completaram-se 48 anos da estreia de “Adeus às Ilusões” (The Sandpiper), filme dirigido por Vincente Minnelli e estrelado por Elizabeth Taylor (em sua plenitude) e Richard Burton.
 
Quem hoje assiste aos 117 minutos digitalizados da fita pode ter a impressão de que o tempo, ali, é prematuro. Expõe um trabalho cinematográfico realizado entre 1964 e 1965, mas cujo roteiro parece escrito em época posterior.

Taylor vive Laura Reynolds, uma artista de alma livre, já embarcada na onda da contracultura, pós-beat e pré-hippie, que tem como propósito educar seu filho longe das torturantes e emburrecedoras escolas convencionais. 

O garoto, no entanto, enfrenta pequenos problemas com a lei e, por ordem judicial, é obrigado a frequentar uma instituição da Igreja Episcopal, dirigida por Edward Hewitt (Burton).

A princípio, instaura-se o conflito. A moral de certo modo libertária de Laura choca o educador religioso. Aos poucos, no entanto, as diferenças brutais acendem a faísca da atração e a dupla se entrega a um affair.

O romance é embalado por “The Shadow of Your Smile”, de Johnny Mandel e Paul Francis Webster, que se tornaria um hit eterno das trilhas cinematográficas.

O filme é cativante. Tem choque de culturas, rebeldia, amor e, logicamente, aquela tristeza aguda dos que, em algum momento, se julgam incapazes de dobrar as vigas da pesada estrutura das relações sociais.

Credita-se a história ao produtor Martin Ransohoff, mas a equipe dos roteiristas tem como estrela o talentoso e polêmico James Dalton Trumbo (1905 – 1976).

Sua história daria um filme (e deu, existe um documentário de 2007 sobre sua vida). Depois da morte do pai, o jovem Trumbo passou anos como um trabalhador comum, embalando pães numa padaria de Los Angeles. 

Nos primeiros anos, escreveu 94 trabalhos, entre contos e novelas, que foram recusados pela editoras.

Desde cedo, Trumbo tinha consciência da vida dura de muitos trabalhadores norte-americanos, que esgotavam a saúde em fábricas insalubres e mal podiam sustentar suas famílias.

Assim, decidiu trilhar o caminho da esquerda e abraçar as causas socialistas. Entre 1943 e 1948, foi membro efetivo do Partido Comunista dos EUA. Seus trabalhos sempre tiveram um traço humanista, solidário e progressista.

Em outubro de 1947, o Comitê de Atividades Antiamericanas convocou vários profissionais da indústria do cinema para que depusessem sobre as supostas ações de agentes comunistas e simpatizantes para transformar os filmes norte-americanos em peças de propaganda esquerdista.

Trumbo e outros nove convocados recusaram-se a fornecer informações sobre o tema. Por esse “desacato” ao Congresso, foram incluídos na famigerada “lista negra” de Hollywood. Três anos depois, o roteirista foi condenado e passou onze meses numa penitenciária federal, em Ashland, no Kentucky.

Depois da aplicação das punições, alguns atores e diretores decidiram colaborar com o esquema macartista (termo que tem origem nas atividades anticomunistas do senador Joseph McCarthy).

O diretor Elia Kazan, por exemplo, testemunhou na comissão e entregou os nomes de vários amigos simpatizantes de causas supostamente comunistas.

Depois da prisão, Trumbo não conseguiu obter trabalho nos Estados Unidos e viu seus filhos serem hostilizados na escolas e nas ruas. 

Vendeu sua fazenda e foi viver no México, onde continuou a produzir roteiros, assinando-os com pseudônimos. No desterro, trabalhava muito e ganhava pouco. 

Em 1953, escreveu o roteiro do singelo “A Princesa e o Plebeu”, filme estrelado por Gregory Peck (um repórter) e Audrey Hepburn (uma herdeira da realeza). Os créditos, no entanto, foram para Ian McLellan Hunter, que assumiu a autoria do trabalho.

Em 1956, construiu a história de “Arenas Sangrentas”, que arrebatou um Oscar. O trabalho, entretanto, foi creditado a Robert Rich.

Aos poucos, porém, a sociedade norte-americana reuniu coragem para contestar a aplicação da “lista negra”. 

O diretor Otto Preminger anunciou publicamente que o roteiro de “Exodus”, de 1960, surgira de páginas datilografadas por Trumbo. Logo depois, Kirk Douglas seguiu o exemplo, honrando o trabalho do escritor em “Spartacus”.

Em 1975, a Academia finalmente considerou Trumbo como o verdadeiro ganhador do Oscar de 1956, concedendo-lhe a estatueta. Em 1993, já depois de morto, teve reconhecido o seu trabalho em “A Princesa e o Plebeu”.

Trumbo nutria grande simpatia pelo gênero humano, sem preconceitos. E, como se sabe, comovia-se especialmente com os mais necessitados.

Trabalhador incansável, valente, atrevido, leal, contribuiu para constituir uma cultura ocidental de massa mais tolerante e mais amorosa.

Nunca comeu criancinhas. 

2 comentários:

  1. Grande! Acrescento o único título que Trumbo dirigiu: "Johnny vai à Guerra(Johnny got his gun). Outra prova de humanismo, alguns trechos do filme podem ser vistos no vídeo de "One" do Metallica.
    Agora vou procurar o documentário.

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  2. Texto excelente. O filme, não tenho dúvida, é de altíssima qualidade. Eu adoro a estética dos anos 60, o figurino, a decoração, a ambientação dos filmes, a trilha sonora... Aliás, acabei de ouvir The Shadow of Your Smile na voz de Johnny Mathis e Barbra Streisand, e a canção é linda! E tem na personagem o início da contracultura abordada no cinema, que depois teve o seu ápice com Zabriskie Point do Antonioni(que assistimos juntos), isso demonstra de fato, como você bem colocou, um filme a frente do tempo, feito em 64, mas que parece ter sido escrito em época posterior.
    Que incrível a história de Dalton Trumbo, um grande nome do cinema, corajoso, engajado com a esquerda, com um currículo fantástico...Obrigada por abordar tão importante tema. Suponho que muitos não o conhecem, mas agora passarão a valorizá-lo.

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